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Condominização e a segregação de espaços públicos de lazer em Bauru

Uma Cidade para Todos?

Muros e portões crescem a olho nu, em Bauru, como instrumento  que reproduz   lógicas de exclusão, e que acrescenta ao território cada vez mais condomínios fechados

Por Brida Correia e Léa Secchi

Bauru é uma cidade com aproximadamente 380 mil habitantes, sendo um dos municípios mais populosos do Centro-Oeste Paulista. Ela pode ser reconhecida pelo Museu Histórico ou Zoológico Municipal, também pelo Jardim Botânico, ou ainda pelo querido Parque Vitória Régia, cartão postal da cidade. Mas também pode ser vista como mais um exemplo de descaso e permanência de segregações históricas. Muros e portões crescem a olho nu, como instrumento que reproduz lógicas sociais de exclusão, e que acrescenta ao território cada vez mais condomínios fechados. 


Não é só aqui. O fenômeno da “vida em condomínio” pode ser visto também em outras cidades, onde a privatização do espaço público beneficia somente uma pequena parcela da população.

“Portal do Morumbi. Aqui todo dia é domingo” ou “Vila das Mercês. O direito de não ser incomodado”. Esses foram os primeiros  slogans publicitários que difundiram a promessa de uma vida “segura” e privada no país, cercada por diferentes muros – de concretos, tijolos, e simbólicos, de classes sociais e raças.

 

O sonho de consumo imobiliário mais recente e conhecido chama-se Alphaville, mas o seu precursor foi construído em 1973, em São Paulo, e se chamava Chácara Flora.Os primeiros condomínios fechados foram concebidos pela mesma lógica do shopping, de oferta de lazer privado, e surge em um momento onde os empreendimentos privados são alavancados.

 

De fato, a classe média brasileira e as elites encontraram soluções  para seus problemas na iniciativa privada. Trabalho, transporte, educação, lazer, saúde e moradia privativas são rotina, e se colocam como sonho de consumo para a população: o “estilo de vida ideal brasileiro” paralelo ao American way of life. 

 

Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Roberto Andrés, professor na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, corrobora com essa interpretação e aponta, justamente, que essa dinâmica vem a ser “uma forma de degradação da vida democrática e da possibilidade de uma vida compartilhada nas cidades”.

Os primeiros tijolos

A criação de muros é só o efeito colateral de uma sociedade já dividida, originada a partir da escravidão e desenvolvida de forma assimétrica pelo processo histórico  colonial brasileiro

Nessa lógica, a “solução” para a violência e a insegurança, num contexto de forte desigualdade social, seriam os muros, cercas, vigilância armada, câmeras e controles. 

A lógica do condomínio

A condominização da vida gera dificuldade em lidar com as diferenças, então as barreiras são criadas para excluí-las. Christian Dunker, professor, psicanalista e escritor brasileiro, investiga  essa  lógica em sua obra  “Mal-estar, Sofrimento e Sintoma: uma Psicopatologia do Brasil Entre Muros". No capítulo “Um sintoma à brasileira”, Christian cita sua hipótese: “Um determinado modo de vida ascendente desde então – aqui chamado vida em forma de condomínio – centraliza e caracteriza uma unidade contemporânea de inserção de nosso mal-estar no capitalismo à brasileira”.

Baseia-se, assim, a proliferação dos condomínios pautada no sentimento de exclusividade, superioridade em relação à experiência de consumo, porque, afinal, esse é só mais um produto do capitalismo. Os moradores tentam assegurar sua posição social por meio da compra, da habilidade de ter o que a maioria não tem. Como cita Dunker,  mantém-se, a partir dessa lógica, o narcisismo das pequenas diferenças, o laço social baseado na inveja, com a criação de ilhas de privilégios e “serenidade”.

 

Os mais ricos  não só detém os meios de produção, como também controlam o território, de modo a serem  beneficiados pela ineficiência do Estado de prover segurança a todos. Esse controle  demonstra a falta de um projeto de urbanização mais igualitário como princípio da vida em sociedade. A condominização é um processo também de embranquecimento e higienização das cidades pela expulsão dos pobres das áreas centrais.

Muros em Bauru

Existe uma divisão social na chamada “Cidade Sem Limites”. A segregação urbana se dá de forma a privilegiar  o acesso a direitos, numa relação centro-periferia. 

Segundo o Plano Diretor de Bauru,   de 2020, a Zona Sul é o principal ponto de concentração das classes mais altas desde o final do século passado. É nela que encontramos os principais condomínios residenciais fechados de luxo e os principais centros comerciais.

 É onde também estão os equipamentos e as áreas de lazer, todos os clubes de serviço, as melhores praças, os edifícios públicos, as melhores avenidas, e as melhores condições de parques, como exemplo do Vitória Régia.

 

As regiões norte, leste e oeste, em contraponto, concentram residências populares, conjuntos habitacionais e assentamentos precários,  e abrigam a população sob maior vulnerabilidade social. Nessas áreas, a mobilidade é precarizada pelos ônibus reduzidos aos fins de semana e pelas ruas sem asfalto.  Há terrenos baldios, falta de saneamento básico e abastecimento de água, e  poucos lugares bem cuidados  onde se possa sentar para descansar com conforto e desfrutar de lazer.

 

O documento também mostra que o acesso à educação está atrelado ao território. É na região centro-sul, a mais rica, que estão as pessoas com maior escolaridade. A população analfabeta, por sua vez,  se concentra nas zonas acêntricas, onde há menor oferta de  escolas.

Quando falamos do processo de favelização em contraste com a condominização, um dos exemplos mais conhecidos no imaginário popular é a favela de Paraisópolis, em São Paulo, ao lado do Morumbi, bairro de classe alta. A existência de periferias próximas a loteamentos de luxo, se deve pela manutenção da hierarquia social, que visa garantir a prestação de serviços subalternos dos mais pobres para os mais ricos, como a “casa grande e a senzala” contemporâneas. 

 

O Jardim Niceia -  bairro de Bauru que fica próximo a universidade pública Unesp e ao lado de três grandes condomínios residenciais  - ilustra a discrepância dos privilégios sociais divididos por muros.

 

 A localidade tem poucas ruas, uma única praça e casas erguidas pelos próprios moradores, estes, trabalhadores, que passam pelo lado de fora das paredes altas e munidas de cercas elétricas nos horários de pico, rumo às suas jornadas de trabalho.

O sociólogo Richard Sennett e o geógrafo David Harvey abordam o declínio do espaço público, colonizado pela privatização, como sendo transformado em mercadoria. E Existe uma lógica de segregação que delimita os territórios e demarca os locais em que as classes mais baixas podem — ou não, ocupar. 

Cidade de poucos: o declínio do espaço público

A proliferação dos condomínios está interligada ao aumento de ambientes elitizados de lazer e ao esvaziamento da importância de espaços que servem a todos.

No município de Bauru, há ausência de atividades culturais e de lazer em bairros mais carentes, que já não contam com estruturas para promover o convívio social. Falta centros de recreação, praças, e ainda que existam alguns bosques, são escassos e privilegiam as áreas mais desenvolvidas.

 

O espaço público é onde a população se reúne para exercer sua cidadania. A Praça Rui Barbosa, localizada perto do principal centro comercial de Bauru - o Calçadão da Batista, hoje serve como passagem aos pedestres. Ali é apenas mais um caminho, moradia de pessoas em situação de rua - que utilizam de suas estruturas como abrigo - ou ainda é ponto de encontro de idosos aposentados, que se reúnem sob a sombras para conversarem ou jogarem baralho. 

 

Na época de sua fundação, a praça  foi berço de trocas sociais e comerciais, mas hoje se encontra mal-cuidada: as árvores foram cortadas, o lago deu lugar a uma fonte,  os caminhos foram pavimentados e viraram concreto, e alguns bancos estão quebrados. 

 

A revitalização desses locais tem que vir aliada à democratização e inclusão, de forma a atender pessoas de classes sociais menos favorecidas.. Devem ser ponto de encontro de diferentes tribos, incentivo à união de diversas pessoas em um local seguro para existir. 

 

Quando Milton Santos fala sobre a mutilação da cidadania  diz que no Brasil quase ninguém é cidadão. Isso nos mostra a urgência em reaver os direitos dos pobres e enfrentar a lógica da privatização, que favorece os mais  ricos. Quando os muros se erguem e o espaço público é abandonado, não se tem direito à cidade, ao lazer, tampouco à cidadania.  

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