
A luta antirracista na universidade
Ações do Kimpa e do NUPE avançam no debate sobre desigualdade racial e destacam importância de um espaço seguro para a comunidade preta na universidade
Por Brida Correia e Vivian Ferreira
Na tarde de sexta-feira, do dia 25 de julho de 2015, pichações com frases racistas foram encontradas nas portas de um banheiro na UNESP de Bauru. As palavras de ódio foram direcionadas às mulheres negras da universidade (funcionárias e estudantes) e ao atual vice-diretor da FAAC (Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design) e professor do curso de jornalismo, Juarez Tadeu de Paula Xavier. Foi aberto um processo de investigação para apurar o caso e descobrir o autor do crime, porém ele não foi identificado.
Em 2019, o mesmo professor Juarez foi novamente vítima de racismo. No dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o professor foi ofendido e chamado de “macaco” enquanto estava em um comércio local. Uma briga foi desencadeada após a ofensa e o agressor utilizou um canivete para golpeá-lo. Apesar dos ferimentos superficiais, Juarez foi levado ao UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) do Geisel e levou pontos na perna e no braço. O agressor foi levado ao plantão da polícia civil e o caso foi registrado como lesão corporal e injúria racial. O agressor, que chegou a ser preso, foi liberado para responder ao processo em liberdade mediante o pagamento de fiança no valor de R$ 1 mil.
Desde que as ações afirmativas foram implementadas pela UNESP em 2012, com o intuito de democratizar o acesso à educação no Brasil, mais jovens negros tem ingressado no ensino superior público, mas são constantemente expostos a atos racistas, fazendo-os, muitas vezes, desistir de seus estudos.
A partir desses casos, a comunidade negra do campus de Bauru, que já via a necessidade de uma organização entre si, criou o coletivo Kimpa. Segundo Juarez, a iniciativa “nasce dessa perspectiva, de uma tentativa de fazer um debate político de enfrentamento ao racismo que levasse em consideração a questão da ciência e da pesquisa.”
O Kimpa, principal coletivo negro da UNESP de Bauru, ganha espaço e visibilidade e tem contribuido para a permanência de jovens negros. Seus encontros buscam conectar a comunidade negra, para juntos conquistar espaço e igualdade em um ambiente em que ainda são minoria. As reuniões discutem temas importantes como a contribuição de autores e pesquisadores negros nos estudos raciais do país, além de permitir que projetos sejam organizados e desenvolvidos com o intuito de diminuir atos racistas dentro do campus.
Além do Kimpa, há outros projetos que também contribuem neste debate político. O NUPE (Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão) é um grupo ligado a PROEC: faz parte da própria universidade e recebe verba para funcionar. Foi fundado nos anos 2000 pelos únicos quatro professores negros dos campus da UNESP da época. “[A ideia] era fortalecer o espaço, brigar pelas políticas públicas e de permanência, brigar para estar nesse espaço”, conta a professora Doutora em Artes Visuais Priscila Leonel de Medeiros Pereira, também coordenadora do Núcleo.
O Kimpa, principal coletivo negro da UNESP Bauru, ganha espaço e visibilidade.
No último dia 4 de abril, foi realizada a “1ª Jornada Nupe: Diálogos de Resistência”, que abriu portas para estudantes se tornarem palestrantes e compartilharem suas experiências juntamente com as habilidades que aprenderam em seus cursos. A estudante de Artes Visuais Alana Serpa, vinda do litoral de São Paulo, apresentou suas fotografias revelando as dificuldades de se identificar diante dos dilemas territoriais urbanos. “A partir do momento que eu me coloco fora do meu ninho, eu acabo tendo que me reafirmar para as pessoas; não só enquanto raça mas em questão de identidade cultural mesmo, porque a questão de raça já estava fragilizada, então eu precisava ter alguma outra certeza para eu me afirmar de forma geral” diz a estudante.
“A gente promove eventos no intuito de que a comunidade negra se sinta fortalecida e acolhida e é também uma forma de mostrar para as outras pessoas que a comunidade está aqui, que a gente existe” diz Priscila. O projeto tem garantido que estudantes negros ingressem nas áreas de pesquisa e extensão, permitindo que a cultura afro-brasileira seja estudada dentro de um ambiente acadêmico. “O NUPE teve uma ação muito importante agora na compra de 70 títulos sobre questões raciais que não tinha na nossa biblioteca. Então isto foi extremamente importante. Não só para o debate político, mas espero que para a pesquisa também”, conta o professor Juarez.
No entanto, ainda existe a falta de inclusões bibliográficas obrigatórias de autores e representantes negros no plano de ensino das mais variadas áreas do conhecimento junto ao baixo percentual de professores negros em sala de aula. Isso gera desconforto nos jovens negros da UNESP que não se veem representados tanto fisicamente, quanto através dos conteúdos ministrados nas aulas. Esta diferença pode ser observada em um estudo feito pela educadora Daniela Campos, em sua tese de doutorado realizada pela Faculdade de Educação da USP (FEA). Segundo a pesquisa, 62,5% dos professores nas universidades são de origem branca, e apenas 16,7% são negros.

Foto: Vivian Ferreira

Foto: Brida Correia

Foto: Brida Correia

Foto: Vivian Ferreira
Para interferir nesta situação é preciso inserir a cultura afro-brasileira na comunidade acadêmica. “A universidade precisa reconhecer mais de 100 anos de pesquisa feitas por pesquisadores(as) negros(as) no Brasil”, diz o vice-diretor da FAAC. Entre os nomes ressaltados por Juarez, estão André Rebouças e Luís Gama, durante o século 19, além do professor Abadias do Nascimento, na década de 1930.
Esse reconhecimento da cultura negra deve acontecer não somente entre as pessoas pretas inseridas no ambiente acadêmico: estudantes, pesquisadores negros (ou não) que trabalham com temas raciais, mas sim abranger toda a comunidade preta da cidade. “Para que a gente possa ter na universidade a representação da maioria social na sociedade. É necessário que a gente tenha uma pauta que vá ao encontro das necessidades dos pesquisadores negros”, completa Juarez.
Aline Lisboa, 40 anos - Professora da Unesp |
Doutora de Mídia e Tecnologia e Doutoranda em Comunicação
Sabia que existia o NUPE pelo Professor Juarez, mas não tinha me aproximado para saber mais. Depois de um tempo, Juarez me falou que a Priscila estava o assumindo e que precisavam da presença de professores pretos da universidade para participar com ela e organizar. Pensar NUPE é pensar também como podemos multiplicar nossas vozes. Porque você está em um espaço — no meu caso, por ser mulher nordestina — e eu ficava pensando “estou me encaixando aonde? em que lugar?”. O NUPE surge como esse respiro onde encontrei pessoas em um local onde posso ter meu lugar de fala e dialogar sobre a vivência.

É você entender que tem gente passando pelas mesmas situações como você, ou que passaram por situações piores. E o que é identificação, acolhimento e resistência. Tipo, ele (o KIMPA) traz pessoas que vão te entender. Então você se vê em alguém e isso é muito importante, eu acho, na caminhada, porque você acaba conhecendo pessoas que estão entrando no curso, pessoas que já vão se formar e entende como foi esse
processo para eles e de militânica, no sentido de você se ativar como pessoa, entender mais essa cultura, a cultura dos outros e se desenvolver.
Eshiley Lislaine, 19 anos - Estudante de Jornalismo |
Integrante do KIMPA

Luis Castilho, 21 anos - Graduando em Relações Públicas | Estagiário
Eu já tinha ouvido alguma coisa, mas não tinha noção do que era o NUPE. Tivemos a Primeira Jornada NUPE, onde tivemos espaço para nos conhecermos e entendermos o que estávamos fazendo ali. Para mim, tem sido um espaço de aquilombamento, de poder voltar às origens. O NUPE é um espaço muito acolhedor, todos estão dispostos a escutar, aprender; somos muito honestos e isso é algo que sinto falta em outros projetos que tem energia de uma Empresa Júnior. Está sendo um lugar onde estou aprendendo muito. É muito bom que o NUPE tem essa cultura orgânica de cada um para respeitar o lugar do outro de falar enquanto profissional.
